terça-feira, 1 de junho de 2010

ESPELHO

Um homem se questionava sobre o espírito presente não na natureza, mas no fundo do espelho diante do qual se reencontrava toda manhã. Ele perguntou-lhe, fixando-o profundamente: “Será que um dia você poderá ver como eu te vejo, ver como vê um ser humano?”. O espelho começou a refletir longamente e a analisar quais seriam suas maneiras próprias de ver e de olhar. Enfim, ele imprimiu sua resposta sobre o fundo de estanho, como todos os espelhos fazem. O homem se extasiou quando descobriu essas palavras, impecavelmente traçadas sobre a superfície polida: “Isto-me-lembra-uma-história”. Aturdido ainda, o homem lhe perguntou: “O que é uma história?”. O espelho lhe respondeu: “São pequenos nós, maneiras de ser atadas e reatadas, modos de ser reunidos, como você e eu estamos nesse momento”. Acrescentou:

Minha história não é apenas sua, a de seu pai e de sua mãe, a história do feto que você foi e –antes disso – a história do nascimento da animalidade e a história da emergência da vida; é também a história do nascimento da sombra e da luz, a história dos seus olhos que aprenderam a ver e a não poder ver, a história das representações humanas e da perspectiva, a história das imagens que fabrico e das imagens que você concebe para tentar se entender. Todas essas histórias são escritas em mim e em você, mesmo que elas não sejam, dentro de nós, imediatamente legíveis.

O espelho, então, estremeceu e, em seguida, esfacelou-se no chão. Perante o homem, havia apenas uma fotografia.

GREGORY BATESON (1904-1980)